O simples som do aparelho é capaz de provocar arrepios de medo em pessoas com telefonofobia
*(IMPRESSO)
Texto e Foto: INGRID GUERRA
Trimmmm! O telefone toca. Do outro lado da linha alguém busca informação, deseja fazer um pedido ou apenas dizer olá. Enquanto ele espera ser atendido, reações físicas incomuns ocorrem aqui, no lado inverso. Pânico, calafrios, náuseas, falta de ar. Estes são alguns dos sintomas citados por membros da comunidade Eu odeio telefone, no site de relacionamentos Orkut.
Essa angústia pode refletir mais do que uma simples aversão ao som do aparelho criado por Alexander Graham Bell, no século XIX. Principalmente quando sensações desta natureza são percebidas, também, no momento em que deveria ser realizada uma ligação. Por vezes elas indicam o Transtorno de Ansiedade Social.
Conhecido, popularmente, como Fobia Social, se caracteriza pelo medo intenso de ser avaliado por outros e/ou ser humilhado em público. A ansiedade pode se manifestar com palpitações, vertigens e sudoreses, assim como ser circunscrita (ocorrer apenas em algumas situações) ou generalizada (em qualquer contexto social).
A Fobia Social é o terceiro transtorno psiquiátrico mais comum, sobretudo em áreas urbanas. Sua prevalência é em torno de 13%. Afeta homens e mulheres, em geral inicia na infância ou no começo da adolescência. Só nos Estados Unidos acredita-se que 15 milhões de indivíduos apresentem esta forma de inquietação. No Brasil não há dados específicos do quanto freqüente é a doença. Todavia, as estimativas são altas.
Uma breve busca no Orkut pode ser reveladora. Em uma comunidade denominada Eu não sei falar ao telefone, 12.110 pessoas estão cadastradas. Embora a alcunha não seja tão especifico quanto a Eu odeio telefone (8.893 membros), sua definição indica que seus integrantes possuem grandes chances de entrar para as estatísticas: "Seu coração bate de uma forma estranha quando toca o telefone? Você não atende o telefone quando está sozinho em casa? Você detesta ouvir "é pra você"? As pessoas vivem te enchendo porque você nunca liga para elas? Você simplesmente ODEIA falar ao telefone? Você se acha um anormal por causa disso?"
A psicóloga Luciane Benvegnú Piccoloto, membro do Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, revela que existe uma tendência a se menosprezar os medos fóbicos: "as pessoas costumam demorar a procurar tratamento porque acham que são mais quietas ou os indícios sejam reflexos de uma timidez". Assim, é possível ficar até 25 anos com a doença, segundo dados epistemológicos, e só então conseguir uma melhora.
No entanto, é importante analisar bem os sintomas, evitando deste modo a incidência de erros. Para saber quando a animosidade está ultrapassando o medo é necessário avaliar o grau de prejuízo funcional que o indivíduo está tendo. "As pessoas têm todo um arsenal para evitar falar ao telefone. Pedem que outras façam as ligações, despendem tempo arquitetando maneiras de fugir da situação, ou até perdem alguma oportunidade com suas estratégias de evitação", explica Luciane.
Este é o caso do professor de alemão, S.D. "Eu tento fugir ao máximo de ligações. Invento mil desculpas para não fazê-las. O que já fez com que perdesse algumas oportunidades de emprego. Mas, quando ligo, depende do meu estado na hora, consigo abstrair o nervosismo. Quando não, gaguejo bastante, suo e o coração acelera".
Em situações específicas é possível contar com a ajuda de betabloqueadores (substâncias usadas no tratamento da hipertensão, que agem no sistema nervoso autônomo) para atenuar os sintomas físicos. Entretanto, o tratamento vai depender de cada caso. Podendo ser feito através de Terapia Cognitivo-Comportamental (individual ou em grupo) e/ou com psicofármacos (antidepressivos, ansiolíticos).
A Fobia Social tem tendência a cronicidade, ou seja, não possui cura. Mas é possível obter melhoras significativas e alívio do sofrimento. Apesar de parecer difícil para o paciente, as técnicas de exposição e relaxamento, aliadas a psicoeducação (onde se aprende o que é o transtorno, como ele se desencadeia etc) demonstram ser as mais eficazes na retomada de uma vida normal.
Enquanto isso não ocorre o telefone permanece tocando. Trimmm! Trimmm! Trimmm! E continuará assim, a não ser que uma atitude seja tomada. O primeiro alô é só o início da jornada. Neste mundo cada vez mais ligado à comunicação não há como escapar, até uma matéria pode te por em uma roubada. Afinal, a confirmação de uma entrevista é por telefone, marcada.
Leia abaixo depoimentos de pessoas com dificuldade de ser relacionar via telefone.
"Seja o que Deus quiser"
"Minha timidez se manifesta muito quando preciso ligar para alguém. Várias vezes eu anoto o que quero perguntar, mas, isso não adianta, é até pior porque o nervosismo é maior por eu estar claramente agindo como se aquilo fosse uma coisa muito difícil. Por isso, em certas vezes eu simplesmente pego o telefone, ligo, e seja o que Deus quiser".
S. D., tem 27 anos, mora em Florianópolis e trabalha como professor de Alemão
"Silêncio Constragedor"
"Sou péssimo em diálogos ao telefone. Ali, a única atividade possível é falar, falar, falar, falar... Enfim, sou bem reservado. Odeio o caráter 'imediatista' destas conversas em que os diálogos são um 'toma lá, dá cá', e exigem respostas instantâneas, parecendo um interrogatório. Não sou espontâneo, não tenho assunto e muitas vezes não sei o que falar. Sou um especialista no quesito 'silêncio constrangedor'". Também não suporto telefone celular. Não me agrada a idéia de ser 'monitorado'".
Antonio Jin, tem 33 anos, mora em São Paulo capital e trabalha como administrador.
"Medo de notícias Ruins"
"Não tive telefone na infância porque era muito caro. Na adolescência, quando meus pais compraram, as ligações tinham um alto custo, era inconveniente falar muito. O telefone era usado só para assuntos diretos e muito importantes. Assim, ele acabou ganhando uma conotação de 'notícias ruins'. Então nunca consegui ter uma boa relação com o aparelho".
Cláudio Guirunas, tem 26 anos, mora em Florianópolis e trabalha como programador (web).
* Matéria publicada no Jornal da Manhã - um dos periódicos da Famecos - em Junho de 2006