sábado, dezembro 01, 2007

Jornalistas no Front

* (IMPRESSO)
Por: INGRID GUERRA

Os correspondentes de guerra são, de certa forma, incansáveis observadores da morte e das imperfeições humanas. Trabalham sob tensão e risco permanente. Precisam ter bons conhecimentos de história e geografia, além de idiomas. Mas, acima de tudo, devem estar preparados física e psicologicamente para enfrentar situações adversas. Ainda assim, esta é uma das atividades mais almejadas pelos profissionais da área, como confirma o jornalista Rodrigo Lopes, enviado ao Oriente Médio durante o conflito entre Líbano e Israel em 2006, pelo jornal gaúcho Zero Hora:
“Uma guerra para mim era um sonho profissional. Acho que é um fato jornalístico de grande envergadura que revela o ser humano por completo: o que ele tem de melhor e de pior”.
No entanto, as razões para que milhares deles se desloquem, desde o século XIX, sempre que uma nova guerra é travada vão além da importância do fato em si. José Hamilton Ribeiro, repórter especial da rede Globo e antigo correspondente da revista Realidade, que perdera a perna esquerda ao pisar em uma minha quando cobria a Guerra do Vietnã, as enumera:
“Um pouco é vaidade; um pouco, espírito de aventura; um pouco, ambição profissional; e muito é a sensação, entre romântica e missioneira, de que faz parte de sua vocação estar onde a notícia estiver, seja para ali atuar como testemunha da história, seja para denunciar o que estiver havendo de abuso de poder (político, psicológico, econômico, militar), seja para açoitar a injustiça, a iniqüidade e o preconceito. Após tudo isso, uma pitada de falta de juízo”.

Barreiras da profissão

Se a tarefa destes desajuizados é fazer a diferença, alguns obstáculos precisam ser transpostos. O primeiro é não se deixar manipular.
“O melhor a se fazer é estudar; conhecer a realidade do local a ser retratado e cumprir um conjunto de preceitos que, ao menos em princípio, garantem ao jornalista não fugir dos fatos. Buscar ao máximo a objetividade e manter a eqüidistância, já que sempre haverá a subjetividade própria da função” aponta o jornalista português Carlos Fino, que se tornou internacionalmente conhecido por seu trabalho na Rede de Televisão Portuguesa (RTP) no Oriente Médio, quando foi o primeiro a anunciar o bombardeio a Bagdá, em março de 2003, suplantando assim as redes concorrentes mais poderosas, como a CNN e a BBC.
“Seria melhor que fossemos câmeras ocultas na parede, para que pudéssemos registrar, de forma neutra, tudo o que acontece”, observa a jornalista norueguesa Asne Seierstad, autora do best-seller O livreiro de Cabul. Como esta não é uma tarefa plausível, considera relevante, ao menos, a possibilidade de passar um longo tempo com as pessoas para a produção de matérias. “Embora tempo seja o que sempre nos falta, como repórteres”, completa ela.
O tempo, no entanto, não foi um grande empecilho nos anos em que atuou como correspondente. A maior dificuldade que encontrou foi ter acesso à verdade sobre o que acontecia na sociedade iraquiana, durante o regime de Sadam Russem. Pois, logo que era identificada como jornalista os iraquianos adotavam uma atitude de cautela, afinal, sabiam que estavam sendo observados.
“As pessoas respondiam aos nossos questionamentos com frases feitas ou com slogans. Era realmente difícil trabalhar em uma sociedade onde não havia liberdade de expressão”, consterna-se Asne.
A segunda grande barreira para quem faz a cobertura de uma guerra é a questão logística, como revela Rodrigo Lopes:
“Meu maior medo era não conseguir chegar nos lugares. Quando ocorreu a guerra no Afeganistão o colega escalado para cobertura não conseguiu entrar no país e teve que enviar as matérias do Paquistão”. E ironiza “em alguns casos saber como chegar aos locais de combates e não se perder se torna mais importante do que saber escrever ou fazer entrevista”.
Apesar do receio de não chegar ao front, Rodrigo foi o único repórter brasileiro a estar em ambos os lados, durante a guerra entre Líbano e Israel, em 2006. Mas a missão não foi assim tão fácil. Para chegar ao Líbano, após ter estado em Israel – país que não exige visto de brasileiros – ele fora obrigado a fazer um novo passaporte e viajar até a Turquia para eliminar os vestígios de sua estadia no país vizinho.
Todavia, por questões financeiras, nem sempre é possível fazer tantas viagens ou mesmo manter um correspondente no exterior. Assim, muitos diretores de redação acabam optando pela utilização de agências de notícias e, algumas emissoras de televisão utilizam seus correspondentes em Londres nas transmissões de reportagens de guerra.
“Repórteres baseados em Londres não gostariam de outra coisa senão poder cobrir os fatos nos locais reais. Fazem isso de Londres por motivos econômicos” declara o correspondente Silio Boccanera, que vive na capital inglesa há mais de 20 anos e se dedica a análises e opiniões sobre assuntos internacionais. “É preciso levar em consideração, também, que Londres é o principal centro de captação de notícias de televisão no mundo. Existe aqui uma tradição de se interessar pelo que se passa no resto do mundo e o país reúne especialistas nos assuntos mais obscuros”, defende.
Contudo, esta não é a opinião da maioria, como comprova Carlos Fino: "a presença do jornalista é essencial. Não é a partir de Londres que se cobre o Oriente".
Por fim, porém, longe de ser o último obstáculo na vida de qualquer jornalista, não apenas no trabalho dos correspondentes, se encontra a questão ética. Que durante uma guerra se mostra ainda mais susceptível a questionamentos, como revelam os repórteres-fotográficos sul-africanos Greg Marinovich e João Silva no livro O clube do bangue-bangue: instantâneos de uma guerra oculta, ao retratar o período de violência que marcou o fim do regime do apartheid na África do Sul.
“Não existem parâmetro fixos para definir quando intervir e quando continuar batendo fotos durante uma cobertura. Viamos crianças morrem em nossa frente e batíamos foto”, revela Marinovich. “Tragédias e violência com certeza geram fotos poderosas, é para isso que somos pagos. Mas cada uma dessas fotos tem um preço: parte da emoção, da vulnerabilidade, da empatia que nos torna humanos se perde cada vez que o obturador é disparado”, conclui.
Da mesma forma, cada vez que uma câmera é ligada e apontada para uma determinada cena ou as letras no teclado pressionadas, elas funcionam como armas capazes de desencadear ações e ataques.
"Na guerra, a informação serve até para desinformar" assegura Carlos Fino, que lembra, ainda, de imagens que apareceram nos principais telejornais ocidentais com uma manifestação a favor dos americanos, eram falsas: "as pessoas estavam ali para manifestar solidariedade a Saddam e isso somente o canal árabe Al Jazeera mostrou" afirma. Apesar de lamentável, ações deste tipo não são necessariamente novidades.

Anti-heróis da história

A história destes repórteres de conflitos inicia em 1854, durante a Guerra da Criméia (Ucrânia), quando o jornal The Times, de Londres, envia William Howard Russell para contar à população o que estava acontecendo no front, como revela o jornalista Phillip Knightley, em seu livro A primeira vítima: o correspondente de guerra como herói, propagandista e fabricante de mitos, da Criméia ao Vietnã.
Até aquele momento, os editores ingleses roubavam as notícias de guerra de jornais estrangeiros, ou empregavam suboficiais para mandar cartas da frente de combate. Um arranjo extremamente insatisfatório, pois, estes militares entendiam muito pouco sobre o funcionamento de um jornal, sem contar que, eram extremamente seletivos, encaravam-se, em primeiro lugar, como soldados.
Quando John Delane, editor do The Times, percebeu que Russell tinha faro para reportagem de guerra passou a enviá-lo para diversas frentes de batalha. Cobriu a guerra entre Scheswig-Holstein e a Dinamarca, a Guerra da Criméia, a Rebelião Hindu, a Guerra Civil Norte-Americana, a Guerra Franco-Prussiana, a Comuna de Paris e a Guerra Zulu de 1879. Aumentando tanto o seu prestígio quanto o do jornal.
Suas matérias estavam mais perto da realidade do que qualquer coisa anteriormente acessível ao público e provocaram grande influência no comportamento da campanha da Criméia. Russell noticiava que nem tudo ia bem no exército britânico, e o editor fazia com que suas cartas, não usadas pelo jornal, circulassem entre os ministros do gabinete, dando início a um processo que acabou por derrubar o governo.
Além de Russel, o correspondente do London Daily News, Edwin Lawrence Godkin, também divulgava as deficiências do governo. “Assim, com dois jornais atacando-o abertamente, o exército ficou na defensiva, com seus piores temores quanto à natureza da imprensa plenamente confirmados”, comenta Knightley. Os relatos produzidos por eles comoviam a população de tal forma que, no final de janeiro de 1855, levaram o governo a sucumbir.
Com o intuito de restabelecer a confiança pública no comportamento da guerra, em março do mesmo ano um pintor que fazia fotos da família real fora enviado para Balaclava, com o propósito de registrar fotograficamente os acontecimentos, de forma a favorecer o governo. Roger Fenton retratava a guerra de forma que tudo parecesse em ordem e todos felizes. Como se propagava na época: imagens não mentem. Esqueceram-se, no entanto, que o recorte da realidade fica nas mãos do fotógrafo que pode apontar as lentes da câmera para onde melhor lhe convier. E Fenton sabia bem para onde apontá-las.
Ainda assim, as críticas de Russell continuaram até que em fevereiro de 1856 fora emitida uma ordem, considerada a origem da censura militar, que proibia a publicação de detalhes de valor para o inimigo, autorizava a expulsão de um correspondente que, segundo alegações, tivesse publicado tais detalhes, e ameaçava os futuros transgressores com a mesma punição. Na época a imposição chegou tarde, para o governo, porém, abriu um precedente para que ela fosse usada no futuro, tornando-se, assim, característica dominante no noticiário da Primeira Guerra Mundial.
Antes desta, no entanto, muitas disputas foram travadas e o serviço dos correspondentes novamente requerido. Entre elas a Guerra Civil Norte-Americana, na qual o telégrafo, que fora disponibilizado pela primeira vez em grande escala, tornou possível o acesso ao noticiário dos fatos ocorridos no dia anterior, tanto ao público-leitor americano quanto ao europeu.
Foi desta forma que o jornalismo fundamentou alguns princípios que o regem até hoje, como a competitividade (conseguir notícias rápidas e exclusivas) e a possibilidade de grande circulação. “Como muitos outros aspectos da Guerra Civil, seus correspondentes de guerra foram romantizados a ponto de se transformarem em lendas” recorda Knightley. Não obstante, grande parte deles não estava à altura da tarefa.
Muitos dos correspondentes que se encontravam no Norte do país eram ignorantes, desonestos e sem ética alguma. Sem contar que grande parte havia sido escolhida simplesmente pela capacidade de usar um transmissor telegráfico. Eles achavam que seu dever não era criticar as forças armadas, mas, sim, elevar a moral civil e militar. Desta forma, “seus despachos eram, com freqüência, inexatos, muitas vezes inventados, facciosos e inflamatórios” afirma Knightley.
A situação era tão grave que se chegou a supor que o descrédito das pessoas para com quaisquer declarações estampadas nos jornais norte-americanos levaria a destruição da confiança das pessoas nos correspondentes.
Embora se esperasse que os correspondentes da Europa tivessem um desempenho mais hábil – afinal, encontravam-se menos envolvidos no conflito – a maioria era igualmente ruim, iludindo seus leitores de forma cabal, quanto ao que ocorria na América. Fatores como o trabalho físico e emocionalmente exaustivo, aliado a um salário pouco atrativo, contribuíram para esta situação. A pressa imposta pelas novas tecnologias, que obrigavam o jornalista a presenciar, escrever e enviar a matéria no mesmo dia, de preferência com exclusividade, fez com que muitos produzissem matérias completamente inventadas. Outros, não viam nada de errado em ganhar dinheiro fazendo menções favoráveis a oficiais ou utilizar informações que dispunham para ganhar apostas na bolsa de valores.
E, como se não fosse possível, a situação dos jornalistas do Sul (da América) era ainda pior. Lá, a imprensa era atrasada, sectária, e o noticiário justo e objetivo era quase desconhecido. Os correspondentes que escreviam para os diferentes jornais, ou o faziam com pseudônimos ou eram militares que enviavam despachos sem muita freqüência. Desta forma, não atraíam, em absoluto, o público e, portanto, não conseguiam recursos para uma cobertura completa, e acabavam fazendo propaganda para o governo. A censura também contribuiu para a desinformação dos leitores, impedindo as críticas à orientação da guerra.
Poucos eram os repórteres dignos de confiança, entre eles, Charles Coffin, do Boston Journal, que escrevia apenas o que via ou o que sabia ser verdadeiro; Henry Villard, do Tribune, que não temia delatar os erros do exército, e Sylanus Cadwallader, do New York Herald, com faro para fatos históricos e Peter Alexander. Exceto por estes a cobertura da Guerra Civil Norte-Americana deixou muito a desejar. E apesar das mudanças ocorridas nas técnicas jornalísticas, este foi o pior período em termos de progresso do correspondente de guerra.
Mesmo assim, o período entre a Guerra Civil Norte-Americana e a Primeira Guerra Mundial é considerado por alguns a idade de ouro dos correspondentes, devido ao surgimento da imprensa popular, ao crescimento do uso do telégrafo e à introdução retardada da censura organizada, sem contar o já citado aumento na demanda do público por histórias do campo de batalha e a conseqüente elevação do número de tiragens. Foi, também, neste período que as matérias começaram a ser assinadas, de modo que uma nova safra de jornalistas entra em ação.
Contudo, estes se mostravam sem a menor perspectiva histórica e pouco humanos, sendo que alguns deles trabalhavam como espiões para o Foreign Office, e outros, como H.M. Stanley, chegavam a travar suas próprias guerrilhas, para noticiá-las depois, vendo, desta forma, a guerra apenas como algo lucrativo e que lhes traria prestígio.
Outro episódio lamentável na trajetória dos correspondentes de guerra fora a Primeira Guerra Mundial. “Foram ditas mais mentiras deliberadas do que em qualquer outro período da história, e todo o aparato do Estado entrou em ação para suprimir a verdade”, denuncia Knightley.
Quando o confronto na Europa começou, os ingleses eram fortemente contrários à possibilidade de que a Inglaterra entrasse no conflito. Em vista disso, após a declaração de guerra imposta pelo governo, tornou-se necessário a busca por alguma forma de apoio da nação. Para tanto, um esquema de propaganda fora combinado com os editores dos principais jornais do país. Para estes, a guerra era tratada como uma questão econômica. Afinal, com ela, as tiragens cresciam de forma considerável. Assim, a Alemanha passou a ser apresentada como o grande inimigo da nação, capaz de produzir as maiores atrocidades, encobrindo-se, claro, a crueldade francesa.
Muitos jornalistas decidiram não se contrapor a este sistema e sucumbiram aos jogos de mentiras dos governos, que tinham por finalidade garantir o suprimento de recrutas no front e encobrir os erros que os altos-comandos pudessem cometer. Para Knightley, “se os correspondentes tivessem tido a coragem moral de se recusar a desempenhar seu papel na farsa, o governo poderia ter sido forçado a reconsiderar sua atitude”.
O ponto mais baixo, após a Primeira Guerra Mundial, para os correspondentes, no entanto, foi durante a Revolução Russa, em 1917. O que acabou por gerar, talvez, um dos primeiros compromissos de melhoria do padrão nas coberturas. Começara a surgir, então, sobretudo nos Estados Unidos, um novo estilo de correspondente de guerra, consciente do direito do público de ser informado sobre as facetas dos combates e os efeitos destes sobre o indivíduo, com o objetivo de noticiar com isenção e objetividade.
Mesmo havendo muito a se lamentar, neste período, ou talvez justamente por isso, parece relevante destacar dois jornalistas que fizeram o possível para noticiar os evento como os viam: John Reed, do The Masses, que mais tarde escreveria o livro Dez dias que abalaram o mundo, sobre a revolução, e Philip Prince, do Manchester Guardian, que fez o possível para informar o público britânico e impedi-lo de embarcar nas histórias antibolchevistas do noticiário.
Anos mais tarde, a Guerra Civil Espanhola trouxe novamente ao noticiário os fantasmas da desinformação e da mentira, chegando a ponto de ser considerada uma fraude. Nem mesmo o escritor Ernest Hemingway foi capaz de escapar da propaganda política. Somente no final da guerra ele teve coragem de escrever tudo o que sabia a respeito do conflito, em seu romance Por quem os sinos dobram.
Já a Segunda Guerra Mundial não apresentou grandes mudanças em sua cobertura. Como nos conflitos anteriores, os correspondentes se rendiam à máquina militar e apresentavam ao público a versão oficial dos fatos, argumentando, por vezes que, se a contestassem, estariam impedidos de presenciar as batalhas no front já que dependiam do exército para tanto. Alguns se consideravam de tal forma parte integrante do exército que passaram a andar armados – habito também na Guerra do Vietnã.
Se a Primeira Guerra Mundial assinalou-se como a pior guerra noticiada, o Vietnã se destacou por ser lá que os correspondentes começaram seriamente a questionar a ética de sua tarefa. Em particular os fotógrafos.
“No Vietnã, embora fosse possível encontrar fotógrafos que, como Horst Faas, da Associated Press, gostavam de tirar fotos dolorosas, de acontecimentos violentos, e para os quais a morte e a atrocidade não eram motivo de horror, havia também homens como Larry Burrows, da Life, que começou a imaginar qual seria o sentido de tudo isso” declara Knightley. .
Décadas mais tarde, um grupo de repórteres-fotográficos que cobriu o período de violência que marcou o fim do regime de apartheid na África do Sul (clube do bangue-bangue) teria dúvidas semelhantes. “Descobrimos que um dos elos mais fortes entre nós eram perguntas relativas ao aspecto moral do que fazemos: quando é que você aperta o botão do obturador e quando você deixa de ser fotógrafo?” confessa Greg Marinovich. Os repórteres também se indagavam a respeito de como deveriam agir diante da guerra, e como noticiá-la. Para jornalistas como o neo-zelandês Peter Arnett, era partir com as unidades de combate e jamais se envolver com o que estivesse cobrindo, conceitos que aprendeu logo no primeiro dia de sua cobertura em Saigon.
“Aprendi bastante no meu primeiro encontro com a guerra do Vietnã. Descobri que nenhum relatório ouvido no escritório podia se comparar ao drama de estar pessoalmente no campo de luta. Descobri que não sentia excitação nem repulsa pelo pouco que havia visto. Sentia-me desligado, como um observador. A melhor lição foi que, ao contrário dos soldados, eu podia ir embora quando bem entendesse” narra Arnett.
Assim, a Guerra do Vietnã fora mais bem noticiada do que qualquer uma de suas antecessoras. Porém, isso não significa que nela não houvesse manipulação de informação. Ao contrário, muitos correspondentes tiveram dificuldade, visto que, nem todas as autoridades militares os recebiam bem, outras se quer compreendiam sua função. Sem mencionar que diversos repórteres, após uma apuração precisa dos fatos, viam seus esforços frustrados pelos editores nos Estados Unidos. Pois o governo americano estava empenhado em mostrar a seu povo apenas a versão oficial da história e para tanto, não poupou esforços, chegando mesmo a incentivar o envio de correspondentes, fornecendo-lhe o que fosse necessário, tentando, desta forma obter o apoio dos mesmos como parte de sua máquina de propaganda militar. Mas, graças aos jornalistas que não aceitaram participar daquele engodo, “toda a história da Guerra do Vietnã foi finalmente revelada” consola-se Knightley, tendo por fim, derrubado um presidente, dividido o país, e levado os americanos a fazerem um sério reexame da natureza básica de seu país.
Quanto aos brasileiros, os relatos sobre a cobertura das guerras que participaram são bastante escassos e não trazem dados sobre como as informações eram tratadas no campo de batalha, apesar de nomes importantes na história do jornalismo no país como Rubens Fonseca, Joel Silveira, José Hamilton Ribeiro, Flávio Alcaraz Gomes, William Waack terem feito coberturas durante os conflitos travados no século XX.
E infelizmente, ainda hoje, mesmo com o aperfeiçoamento das técnicas de reportagem e o fim da censura, a sombra da fraude permanece em nosso cotidiano. Tanto isso é verdade, que nem os grandes grupos de comunicação estão livres delas como se viu em 2006 quando as fotos feitas por um free-lancer da Associated Press, sobre o conflito entre Líbano e Israel, mostraram-se adulteradas.
Assim, envolvidos por uma aura especial daqueles que presenciam os fatos, eles se tornam heróis e bandidos de suas próprias histórias. Amaldiçoados quando se deixam manipular e/ou abençoados quando revelam ao mundo os segredos da crueldade humana que, de outra forma, ficariam ocultos, gravados apenas na mente de quem a elas sobreviveu.
Sem esta espécie de repórter as guerras não teriam o mesmo valor histórico, como nos faz crer José Hamilton Ribeiro – um dos grandes ícones na cobertura de conflitos do país:
“O que seria da Guerra de Tróia sem Homero? Da Guerra do Peloponeso sem Tucídides?”, questiona. Não esquecendo, claro, de adicionar a lista alguns exemplos brasileiros como Euclides da Cunha (com Canudos) Rubem Fonseca (na Segunda Guerra) e visconde de Taunay (com a retirada de laguna).
“Se não houvesse Euclides da Cunha no Vaza-Barris, o massacre de Conselheiro e de seus beatos talvez não passasse, hoje, de um episódio militar de rotina descritos em relatórios burocráticos e só acessíveis a erráticos e reduzidos historiadores das casernas”, completa.

* Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Internacional

Retrato Urbano

* (IMPRESSO)




Texto e foto: INGRID GUERRA
Todas as manhãs, nos dias de semana, três mulheres loquazes, com idades suficientes para não se importarem com julgamentos alheios, embarcam na linha T9 IPA, sentam-se, em geral, no fundo do ônibus e começam a falar da vida. O assunto preferido são as ordens dadas pelos patrões.
As reclamações, que costumam vir acompanhadas de chistes e risadas altas, podem ser ouvidas pelos passageiros dos primeiros bancos. Mas as senhoras não estão preocupadas com isso. Querem apenas alguns minutos de divertimento durante o percurso que farão até o trabalho.
Um pouco mais à frente, nos assentos centrais, se acomodam diversos jovens que, em comum, estão com fones nos ouvidos. Nem sempre é preciso estar próximo a eles para, ainda assim, escutar o som que sai dos players.
Garotas passam pelo corredor sem o menor cuidado com as bolsas que, por vezes, atingem, de forma brusca, o braço, quando não o rosto, de quem está sentado. Rapazes com mochilas volumosas obstruem o caminho dos que precisam descer na próxima parada e idosos esperam, em vão, pela gentileza de alguém que irá lhes ceder o lugar.
Em horários de pique a situação no coletivo se agrava. Afinal, são dezenas de pessoas querendo chegar ao destino, no menor tempo possível e com o mínimo de paciência. O que acarreta na superlotação, não apenas nesta, mas em todas as linhas de transporte da capital gaúcha. E então, é cada um por si. Quase ninguém se interessa pelo próximo, raros são os ocupantes dos bancos que se oferecem para segurar os pertences de quem está em pé.
Estas, entre tantas outras situações comuns aos usuários do transporte público demonstram o quanto a sociedade moderna carece de educação social e respeito ao próximo. Algumas regras de convivência se perderam no tempo junto com os bons costumes.
– Bom dia! Boa tarde! Não existe mais. Ninguém te cumprimenta – afirma a cobradora Gladis Alf, que há 3 anos presta serviços à Carris.
Ela reclama que as pessoas estudam e ainda assim não sabem se portar. Se amontoam na parte da frente do veículo, mesmo quando no fundo há diversos espaços vazios, e ainda tem os jovens que utilizam os locais reservados a idosos e passageiros especiais.
– Não posso pegá-los pelas mãos e levá-los para trás – lamenta a cobradora – que admite nunca ter sido tratada de forma desrespeitosa. Como diz o ditado, quando você trata as pessoas com respeito, é retribuído de forma similar.
Mesma sorte, no entanto, não teve o seu colega da linha T9 Ivo Ribeiro, que, certa vez, recebeu o troco que acabara de entregar ao passageiro, jogado de volta em sua cara, pois, o rapaz havia se irritado com o excesso de moedas que lhe fora dado.
– Esta foi a situação mais embaraçosa pela qual passei, sem contar com a vez em que fui assaltado – revela.
Discussões dentro dos ônibus não são tão comuns, porém, quando ocorrem deixam a todos prostrados. Foi o que aconteceu com o estudante de Engenharia Mecatrônica Tiago Rodrigues que presenciou uma briga entre uma mãe e o filho adolescente que, ao passar pela roleta, a girou, sem querer, duas vezes.
– Ela começou a humilhar o guri na frente de todo mundo porque não tinha dinheiro para pagar mais uma passagem. Fiquei tão constrangido que entreguei uma de minhas fichinhas a ele – relembra.
A estudante de Psicologia Fernanda Burg Conti, por sua vez, tornou-se alvo da ira de uma senhora que a chamou de cara-de-pau, ao vê-la sentada nos bancos reservados a idosos. Para ela, o fato de outros bancos estarem vazios tornava injustificável a irritação da mulher, embora admita estar errada ao ocupar os espaços reservados.
– Eu até acho que deveria ceder o lugar aos mais velhos, mas também não quero ir em pé.
Essa preocupação exclusiva com o próprio bem-estar é, para o filósofo Gilles Lipovetsky, que produziu estudos sobre o individualismo, uma das características do sujeito contemporâneo. Todavia, é aconselhável seguir ao menos uma pequena, mas importante regra contida em todos os manuais de boas maneiras: o respeito ao próximo. Afinal, manter o bom humor e a educação ajuda em qualquer situação, lembra a consultora de etiqueta Glória Kalil
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* Matéria Publicada na Revista Ora Bolas em dezembro de 2007