quinta-feira, agosto 09, 2007

Turismo em Porto Alegre, até a próxima parada.

* (IMPRESSO)
Ingrid Guerra

Antes de entrar no ônibus que percorreria alguns pontos de Porto Alegre, duas garotinhas, com no máximo sete anos, discutiam, em frente a um televisor, na sala de espera do Escritório Municipal de Turismo, o que valeria mais a pena: assistir a partida que daria o 35º título estadual a seu time ou um passeio na linha turística? Escolheram o passeio, assim como as 49 pessoas que naquela tarde de domingo, 6 de maio, gritavam eufóricas ao primeiro ronco do motor, silenciando segundos antes de uma gravação com voz feminina anunciar: “Para sua segurança, permaneça sentado até o próximo ponto de parada”.
Abandonar uma paixão nacional por uma excursão pode ainda não ser tão comum. No entanto, o crescimento da área é considerável. As projeções realizadas pela Organização Mundial do Turismo são de que até 2020 esta seja a maior indústria do planeta. Em 2005, segundo dados do Banco Central, o setor foi o 5º produto na balança comercial, e o país recebeu 5,5 milhões de estrangeiros, que geraram uma receita de US$ 3,861 bilhões, equivalentes a 63% dos gastos de brasileiros no exterior. Ainda é pouco, sobretudo se comparado aos US$ 710 bilhões deixados ao redor do mundo em 2006, mas o suficiente para colocar o Brasil em 36º lugar no ranking dos destinos mais procurados, conforme o anuário da revista Exame. E o bastante para trazer a Porto Alegre a editora de imagens Melanie Meier.
Há dois meses na metrópole gaúcha, a alemã, de 31 anos, espanta-se com as diferenças sociais, apesar de considerar o convívio agradável. “É muito interessante ver as pessoas e o jeito que elas me tratam”. De fato seria difícil não gostar, provoca a amiga Clarissa Rocha, 27 anos: “Ela está sendo paparicada por todos”. Porém, este não é um privilégio de Melanie, como revela a coordenadora e professora do curso de Turismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Marutschka Moesch: “O povo gaúcho é um povo que recebe bem, é um povo que tem educação. E este é um importante ato da hospitalidade que já foi comprovado em pesquisas”.
A diversidade cultural é outro aspecto positivo da urbe, acredita a canadense Marie-Eve Cormier, 21 anos, que esteve na capital em 2006, quando participou de um intercâmbio semelhante ao Projeto Rondon (que visa desenvolver atividades comunitárias, em comunidades carentes), denominado Canada World Youth. “Eu adorei a cidade e fiquei surpresa ao encontrar tanto multiculturalismo”, empolga-se. Aspecto este que a secretária municipal de Turismo, Ângela Baldino, quer enaltecer. “A nossa memória imaterial, as nossas etnias, enfim a nossa identidade poderia ser mais explorada”, lamenta. Argumentando ainda que “todo lugar aumenta seu potencial turístico quando valoriza o seu patrimônio, que não é só físico”.
Talvez esta seja uma forma de colocar Porto Alegre em novos roteiros. Afinal, no que se refere a negócios, a primeira sede do Fórum Social Mundial – que em 2005 reuniu 150 mil pessoas, no último encontro realizado no Brasil – se tornou tão competitiva quanto os grandes centros urbanos do País. Sendo que, ainda em 2005 foi considerada a 6º localidade brasileira que mais sediou eventos internacionais e a 4º em número de participantes, de acordo com o relatório do International Congress and Convention Association. Contudo, a secretária Ângela Baldino discorda da professora Marutschka Moesch – secretária municipal de turismo entre 1999 e 2004 –, no que se refere ao FSM como um divisor de águas. Para ela, o evento foi favorável a ambas as partes, afinal é uma característica do porto alegrense abraçar causas como estas. Mas, “eu não ideologiso o Fórum”, completa.
Apesar disto, ambas acreditam ser preciso unir forças para trazer um maior número de visitantes, sejam eles estrangeiros ou não. Para tanto, duas questões merecem atenção redobrada: a infra-estrutura e a segurança. Embora a capital do Estado tenha prestígio gastronômico, qualidade na mão-de-obra e nos hotéis, deixa a desejar no que se refere ao aeroporto, que precisa de uma pista ampliada e vôos diretos. Sem contar que sua sinalização ainda é precária. Nem mesmo a Linha Turismo escapa de alguns contratempos. Como a parte de cima do ônibus não é coberta, todos aqueles sentados ali devem se manter atentos para não machucarem a cabeça em túneis ou nos galhos de árvores, desta que é considerada uma das cidades mais arborizadas do mundo. E, quando a chuva cai, quem não deseja se molhar precisa ser transferido para o andar de baixo.
Foi o que aconteceu com a professora de ensino fundamental de Alvorada, Sheila Rocha Trindante, 26 anos. Assim como os outros passageiros, ela e o restante de sua família – que incluía o pequeno Nicolas, de apenas dez meses – viram um domingo que amanhecera ensolarado, transformado em um final de tarde chuvoso. Sentada nos últimos bancos do veículo, ao lado marido Leandro Gomes, 24 anos, não se conformava: “O dia inteiro bonito e agora começa a chover”. No que ele completa: “Deveríamos ter vindo às três da tarde”. Seu único consolo, já que sua visão do lado esquerdo estava bloqueada pelo motor do ônibus, era que naquela altura, ao menos o Grêmio goleava o Juventude em 4 a 0.
Para Sheila, no entanto, que nem gremista é, o jogo só atrapalhara ainda mais seus planos. Afinal, foi por causa dele que uma das principais avenidas da cidade havia sido bloqueada, muito antes do final da partida, impedindo a passagem do ônibus. Nem mesmo a argumentação do guia Marco Aurélio Soares, 40 anos, fez com que o guarda liberasse o acesso. O trajeto teria que ser modificado para a segurança de todos. “Se perdemos de um lado, ganhamos de outro”, alegava Marco. Assim, pontos que não constavam no roteiro eram apresentados aos ocupantes da linha, “em uma viagem única”, na qual foi possível conhecer uma raridade como a ponte arborizada e o templo positivista na avenida João Pessoa, além do monumento a Bento Gonçalves entre as avenidas Venâncio Aires e José Bonifácio.
Se “no Brasil futebol modifica tudo”, como manifesta um dos passageiros, ao menos a segurança deve ser mantida. E esta é uma das questões que mais preocupa turistas no mundo todo, segundo o anuário da revista Exame. Os atentados de 11 de setembro de 2001 tiveram reflexos diretos neste segmento. E mesmo países sem conexão com grupos terroristas passaram a ser vistos com um novo olhar. Melanie relata que se sente insegura em Porto Alegre. “Aqui eu não posso andar sozinha à noite, coisa que em Berlim eu fazia o tempo todo”, reclama.
O que produz temor na alemã, provoca surpresa na canadense que estranha os portões e as grades que circundam as casas. “No Canadá, nós andamos pela cidade à noite e conversamos com estranhos, como se fossem amigos, sem nada temer”, declara Marie-Eve. Michael Da Silva, 19 anos, que participou do mesmo intercâmbio de Marie-Eve, no entanto, não considera a cidade perigosa. A única coisa a lhe provocar estranheza foi ver os torcedores do time visitante, em uma partida entre Internacional e Corinthians, serem protegidos pela polícia e por uma barreira para evitar a violência. “Fora isso, havia muitas semelhanças aos eventos esportivos do Canadá. Os palavrões e a cerveja estavam lá”. Depoimentos como este corroboram com a visão da secretária municipal de Turismo: “Em relação ao Brasil, Porto Alegre tem uma vantagem competitiva, pois ainda é vista como uma cidade segura”, garante Ângela Baldino.
Se não há o que temer, quando o passeio chega ao fim, resta apenas constatar que algumas pessoas como a administradora, de Belém do Pará, Fábia Gonzaga, 31 anos, deixam o ônibus admiradas, mesmo que a chuva tenha atrapalhado um pouco a excursão. “É tudo muito charmoso, principalmente o contraste do moderno Centro Administrativo e os prédios centenários como a Confeitaria Rocco”, sensibiliza-se. Outras, no entanto, correm para casa, a procura de um local que as protejam da brusca queda de temperatura. Para a funcionária pública, Clarissa Rocha, que se frustrara com tantas alterações, este passeio não valeu. Será preciso voltar em um dia de sol e passar pela Goethe. “Agora, o que eu estou precisando é de um bom chimarrão”.


* Reportagem produzida durante o estágio de Aperfeiçoamento de Texto

Um comentário:

Ingrid Guerra disse...
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