terça-feira, março 06, 2007

Cinco letras no canto da página

* (IMPRESSO)



Texto e Fotos: INGRID GUERRA

No começo são apenas traços, rabiscos a lápis espalhados nas folhas em branco. Idéias que surgem após a leitura atenta dos textos a ilustrar. Pequenos detalhes descritos ali, imperceptíveis a outros leitores, podem ser a fonte de inspiração necessária ou apenas um subsídio para reflexões, entre um cafezinho e outro, capaz de extrapolar os limites da crônica. Isabel Braga Callage, Bebel, dá início ao trabalho de representação em desenho das idéias de profissionais como Moacyr Scliar, Martha Medeiros e outros.
A aquarela vem em seguida, traz à vida aqueles personagens e objetos, ou completa os espaços deixados pelas colagens que parecem transcender as folhas. Aqui, a pequena xícara de café de outrora é deixada de lado para que um lencinho, no qual o pincel é limpo, permaneça sempre à mão.
Tinta e cola secas, é hora de abandonar o local de criação. Para trás – na comprida, porém estreita, sala iluminada por uma janela que se estende de uma parede a outra – ficam os resquícios de um dia de trabalho, em meio a fotos, revistas, desenhos antigos, e claro, livros de seus pintores e ilustradores favoritos: Edward Gorey, Jean Jacques Sempé e Ronald Searles.
Na Redação, o desenho é escaneado e inserido junto ao texto. No dia seguinte ganha as ruas, impresso no jornal que milhares de pessoas folhearão. Várias passarão pelas ilustrações sem as observar, outras tantas irão apreciar, mas somente algumas terão a curiosidade de se saber quem é essa mulher. O nome no canto da página. As cinco letras que assinam os mais femininos traços do jornal. Sua delicadeza e expressividade são inconfundíveis, a ilustradora poucos conhecem.
Bebel é uma mulher elegante. Em nada demonstra ter meio século de vida. Moderna no modo de vestir parece mesmo uma das próprias ilustrações: com óculos amendoados, de um branco cintilante, e o cabelo de um vermelho intenso na altura do queixo. Misteriosa para uns, tímida para outros e até mesmo arrogante para alguns. Ela se define apenas como uma pessoa que prefere ouvir a falar, que gosta de observar. “Nada nela é óbvio. Seu trabalho é exatamente assim, também. Por isso tão cativante”, descreve a cronista Martha Medeiros.
Na adolescência desejava tornar-se artista-plástica. Anseio justificado pela influência dos pais, Anna Maria Dalle Ore Braga e Luíz Florêncio Barreto Braga. Ambos estudaram artes e transmitiram à família o gosto pelo desenho. Todos os filhos do casal trabalham com algum tipo de representação artística: Marcelo é arquiteto, Adriana é designer de móveis e Lúcia trabalha com estamparia.
Um pouco a contra gosto, após a não-aprovação no vestibular para Artes Plásticas, Bebel acabou cursando Publicidade e Propaganda na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1979. Apesar de não ser o curso dos sonhos, ao menos permitia exercitar uma de suas paixões. No ano seguinte ingressou na agência Standard onde trabalhou como arte-finalista e diretora de arte, seu último emprego antes de ser contratada pelo jornal Zero Hora.
Em 1983 quando entrou no jornal Bebel fazia um pequeno desenho na página dedicada a cartas de leitores. Com o tempo passou a ilustrar matérias de economia, política e gastronomia. As crônicas só chegaram a ela há dez anos. O traçado feminino se relacionava muito ao trabalho de Martha Medeiros, pois ali as figuras eram exibidas de forma mais pura. Nos textos de Moacyr Scliar as colagens sempre predominaram, para diferenciar bem os dois. Porém, isso deixava Scliar triste, de certo modo, já que ele gostava mesmo do traço original, apesar de considerá-la notável em tudo o que faz.
Hoje, essa diferenciação sofreu algumas mudanças, e os papéis se inverteram um pouco. Nada rígido, no entanto. Os chamados medíocres, homens desenhados sempre pequeninos perto de mulheres exuberantes, continuam no universo das crônicas de Martha em oposição aos homens proporcionais dos textos de Scliar.
A capacidade para ver o que poucos conseguem enxergar aliado ao papel, ao lápis, à tesoura, à cola, à aquarela e ao pincel criam um universo só dela. No qual o desenho é o começo e o fim de tudo. Por isso mesmo, apesar dos prêmios que recebeu – The Best of Newspaper Design em 1998 e o VIII Salão Internacional para Imprensa – e dos livros que ilustrou – entre eles Depois da Montanha Azul de Christiane Gribell e Os sete cabritinhos – não costuma participar de sessões de autógrafos ou outra badalações do tipo. Afinal, não quer brilhar mais do que o produto de seu imaginário. É exatamente por isso que é tão difícil que as pessoas a conheçam.



* Matéria Publicada na Revista Experiência - um dos periódicos da Famecos - em dezembro de 2006

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