sábado, dezembro 01, 2007

Retrato Urbano

* (IMPRESSO)




Texto e foto: INGRID GUERRA
Todas as manhãs, nos dias de semana, três mulheres loquazes, com idades suficientes para não se importarem com julgamentos alheios, embarcam na linha T9 IPA, sentam-se, em geral, no fundo do ônibus e começam a falar da vida. O assunto preferido são as ordens dadas pelos patrões.
As reclamações, que costumam vir acompanhadas de chistes e risadas altas, podem ser ouvidas pelos passageiros dos primeiros bancos. Mas as senhoras não estão preocupadas com isso. Querem apenas alguns minutos de divertimento durante o percurso que farão até o trabalho.
Um pouco mais à frente, nos assentos centrais, se acomodam diversos jovens que, em comum, estão com fones nos ouvidos. Nem sempre é preciso estar próximo a eles para, ainda assim, escutar o som que sai dos players.
Garotas passam pelo corredor sem o menor cuidado com as bolsas que, por vezes, atingem, de forma brusca, o braço, quando não o rosto, de quem está sentado. Rapazes com mochilas volumosas obstruem o caminho dos que precisam descer na próxima parada e idosos esperam, em vão, pela gentileza de alguém que irá lhes ceder o lugar.
Em horários de pique a situação no coletivo se agrava. Afinal, são dezenas de pessoas querendo chegar ao destino, no menor tempo possível e com o mínimo de paciência. O que acarreta na superlotação, não apenas nesta, mas em todas as linhas de transporte da capital gaúcha. E então, é cada um por si. Quase ninguém se interessa pelo próximo, raros são os ocupantes dos bancos que se oferecem para segurar os pertences de quem está em pé.
Estas, entre tantas outras situações comuns aos usuários do transporte público demonstram o quanto a sociedade moderna carece de educação social e respeito ao próximo. Algumas regras de convivência se perderam no tempo junto com os bons costumes.
– Bom dia! Boa tarde! Não existe mais. Ninguém te cumprimenta – afirma a cobradora Gladis Alf, que há 3 anos presta serviços à Carris.
Ela reclama que as pessoas estudam e ainda assim não sabem se portar. Se amontoam na parte da frente do veículo, mesmo quando no fundo há diversos espaços vazios, e ainda tem os jovens que utilizam os locais reservados a idosos e passageiros especiais.
– Não posso pegá-los pelas mãos e levá-los para trás – lamenta a cobradora – que admite nunca ter sido tratada de forma desrespeitosa. Como diz o ditado, quando você trata as pessoas com respeito, é retribuído de forma similar.
Mesma sorte, no entanto, não teve o seu colega da linha T9 Ivo Ribeiro, que, certa vez, recebeu o troco que acabara de entregar ao passageiro, jogado de volta em sua cara, pois, o rapaz havia se irritado com o excesso de moedas que lhe fora dado.
– Esta foi a situação mais embaraçosa pela qual passei, sem contar com a vez em que fui assaltado – revela.
Discussões dentro dos ônibus não são tão comuns, porém, quando ocorrem deixam a todos prostrados. Foi o que aconteceu com o estudante de Engenharia Mecatrônica Tiago Rodrigues que presenciou uma briga entre uma mãe e o filho adolescente que, ao passar pela roleta, a girou, sem querer, duas vezes.
– Ela começou a humilhar o guri na frente de todo mundo porque não tinha dinheiro para pagar mais uma passagem. Fiquei tão constrangido que entreguei uma de minhas fichinhas a ele – relembra.
A estudante de Psicologia Fernanda Burg Conti, por sua vez, tornou-se alvo da ira de uma senhora que a chamou de cara-de-pau, ao vê-la sentada nos bancos reservados a idosos. Para ela, o fato de outros bancos estarem vazios tornava injustificável a irritação da mulher, embora admita estar errada ao ocupar os espaços reservados.
– Eu até acho que deveria ceder o lugar aos mais velhos, mas também não quero ir em pé.
Essa preocupação exclusiva com o próprio bem-estar é, para o filósofo Gilles Lipovetsky, que produziu estudos sobre o individualismo, uma das características do sujeito contemporâneo. Todavia, é aconselhável seguir ao menos uma pequena, mas importante regra contida em todos os manuais de boas maneiras: o respeito ao próximo. Afinal, manter o bom humor e a educação ajuda em qualquer situação, lembra a consultora de etiqueta Glória Kalil
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* Matéria Publicada na Revista Ora Bolas em dezembro de 2007

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